Grotesco é um derivado do termo latino
grotto que significa gruta ou pequena caverna. A expressão grotesco surgiu no século XIV quando foram descobertos soterrados em Roma, por acaso, corredores e salões do antigo complexo palacial
Domus Aurea, uma construção requisitada pelo imperador Nero após o grande incêndio que consumiu boa parte da cidade em 64 d.C. (o qual se atribui a ele). Nesses espaços subterrâneos reabertos depois de quase mil e quinhentos anos foram descobertas fantasiosas pinturas: imagens, figuras, estátuas compostas de pessoas ou deidades metade gente e metade animal ou metade figura mítica. A palavra grotesco passou a ser utilizada não somente em meios artísticos mas também em outras áreas como, por exemplo, na literatura e arquitetura. Mas o termo Grotesco é também referente à figuras estranhas e bizarras, diferentes do que estão acostumadas à ver.[1] Leonardo executou desenhos chamados
Cabeças Grotescas (1490). A palavra grotesco adquiriu depois no idioma italiano e por difusão, também no idioma português, o sentido de bizarro ou ridículo, mas sem relação com as pinturas originais.
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Mascarão grotesco |
Arte fantástica é um gênero de arte não muito bem definido, que demonstra a fantasia. Acredita-se que o primeiro artista "fantástico" tenha sido Hieronymus Bosch. Outros artistas que foram definidos como fantásticos são Brueghel, Giuseppe Arcimboldo, Matthias Grünewald, Hans Baldung Grien, Giovanni Battista Piranesi, Francisco de Goya, Henry Fuseli, William Blake, Gustave Doré, Gustave Moreau, Odilon Redon, Max Klinger, Arnold Böcklin, e Salvador Dalí.
A fantasia tem sido uma parte integrante da arte desde seus primórdios, mas foi particularmente importante para o maneirismo, a arte romântica, o simbolismo e o surrealismo. A arte fantástica celebra a fantasia, a imaginação, o mundo dos sonhos, o grotesco, visões e outros mundanismos. Com o simbolismo ela divide a escolha de temas tais como a mitologia, o ocultismo e o misticismo.
Em francês o gênero é chamado "le fantastique"; em inglês é algumas vezes referido como arte visionária, arte grotesca ou arte maneirista.
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Arte fantástica. Thomas Cole, Sonho, 1840 |
A arte fantástica não deve ser confundida com a arte de fantasia, que é o domínio de ilustradores de ficção científica e fantasia, tais como Boris Vallejo e outros.
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Arte de fantasia. Fada. O mundo dos seres encantados |
O grotesco é a fina arte das esdrúxulas misturas. Como um demiurgo, o produtor do grotesco toma partes de um ser misturando-as com partes de outros seres, obtendo um resultado totalmente anti-natural. Cada parte é associada por hábito ao ser de onde foi retirada. Frutas e legumes são objetos naturais, habitantes das feiras públicas onde são comprados para o consumo. Mas quando alfaces, cenouras e beterrabas são organizados com formato de um rosto humano, como na obra do artista Arcimboldo (1527-93, italiano), então temos um objeto grotesco. O grotesco é experimentado no sentimento como algo cômico, que causa riso, ou como algo estranho que amedronta e repugna.[2]
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Cômico e Estranho |
O Grotesco nas artes visuais. O termo grotesco deriva do italiano
grotta, e foi originalmente cunhado para designarum tipo de arte decorativa da antiguidade clássica, que influenciou largamente os artistas doséculo XVI. São conhecidos os grotescos de Rafael (1515) nas
loggie do Vaticano. Nessesa frescos, predominavam elementos não factíveis, baseados na imaginação do artista, comoanimais brotando de plantas e metamorfoses de todo tipo. Afora o propósito originalmente ornamental, há algumas características determinantes do grotesco, como seu aspecto fantasioso, porém 'algo angustiante e sinistro' (Kayser, 2009, pp.16-19), tendo comodes dobramentos posteriores características como o desproporcional, o monstruoso, odesordenado e o assustador, assim como uma tendência para o caricatural e o ridículo. “Oelemento paranóico do maneirismo(...) procura no monstro e no monstruoso uma‘encarnação’ demasiadamente grande da deformação.” (Hocke, 1974, pp.17-18, 145)Em Bruegel (o Velho) e Bosch, por exemplo, a essência do grotesco se manifestaatravés de representações do sobrenatural e do demoníaco. A partir do Romantismo, ogrotesco adquire um caráter sinistro, mas com a vinculação do grotesco com a commedia dell’arte, surge a tendência para igualá-lo com o burlesco e o cômico. (Kayser, 2009, pp. 26,27) Nas manifestações das artes visuais do século XX, o Surrealismo é imediatamente associado ao grotesco.
O surrealismo tem origem na literatura e mesmo suas manifestações visuais carregam consigo elementos narrativos e metafóricos. A proposta do surrealismo, segundo André Breton, estava relacionada com as teses de Freud. Suas primeiras obras tridimensionais, os 'objetos surrealistas' de Dalí, Man Ray e Giacometti, entre outros, eram produto da ideia de 'acaso objetivo,' e se propunham a “estimular as projeções inconscientes do observador,” apartir de associações díspares entre diferentes objetos, criando metáforas.(Krauss, 1998, pp.130-145) Existem alguns aspectos no surrealismo que o aproximam à ideia do grotesco, principalmente a pintura de De Chirico, Dalí e Tanguy, além das ‘fantasias grotescas’ deEnsor. Nas obras produzidas em torno do Manifesto Surrealista, de André Breton – em especiala pintura metafísica – “atinge-se o estranhamento (…) pela união do heterogêneo”, porém, “pode faltar inteiramente caráter ameaçador, horror, elemento abissal – e com isto conteúdos dos mais essenciais do grotesco.” (Kayser, 2009, p.141) [...]
O labirinto, nas civilizações antigas, representa uma “metáfora 'unificadora' para tudo aquilo que o mundo apresenta de previsível e imprevisível.” (apud Hocke, 1974, p.167) A imagem do labirinto está relacionada ao subterrâneo e também ao onírico. Bachelard especifíca o arquétipo do labirinto como possuindo uma 'dimensão angustiada', pois liga oindivíduo sonhador com suas impressões profundas. O autor descreve os 'sonhos labirínticos'como aqueles nos quais o caminhar inconsciente revive a 'situação típica do estar perdido' enos quais anda-se com dificuldade. (Bachelard, 2003, pp.161-164).
[...] O surrealismo solicita ao espectador uma interpretação semântica para seus enigmas, enquanto no grotesco a comunicação é icônica, labiríntica, visual.[3]
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Bacon, 1944 |
Francis Bacon transmitiu a ideia de que o ser humano, ao conquistar e fazer uso da sua própria liberdade, também liberta a besta que existe dentro de si.
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Bacon, 1989 |
Kelly de Souza,
Grotesco pós-moderno,
Revista da Cultura, 36, Julho de 2010
Sempre presente na cultura, a estética do feio, vista como subclasse da arte até pouco tempo, ganha notoriedade e se transforma em linguagem da contemporaneidade.
Quando o jornalista e crítico francês Franck Maubert chegou à casa de Francis Bacon, em um não tão remoto 1982, foi surpreendido pela cortesia do anfitrião, que logo ofereceu uma xícara de café. A delicadeza do pintor – considerado hoje um dos mais cotados do mundo – contrastava com o humor austero visto em suas telas. Já a elegância das botinas pretas, a calça de flanela cinza, a jaqueta de couro e a gravata escura de tricô engraçavam-se com o tranquilo olhar azul-claro, sem familiaridade aparente com seus disformes e gritantes personagens. Meticuloso, Bacon falava bem. “Falar o divertia, falar o excitava. Falar, para ele, também era uma arte”, conta Maubert em
Conversas com Francis Bacon, livro que marca o centenário de nascimento do pintor (2009).
No encontro, repetido outras vezes, a primeira impressão harmoniosa estilhaçou-se quando o jornalista entrou no ateliê do pintor. Um antro que acumulava objetos, com o chão coberto por jornais, revistas, fotos e detritos acumulados numa áspera crosta. “Toda minha vida não passou de uma vasta desordem”, desculpou-se. O caos pessoal – aquele porão escuro em que o “cheiro do sangue humano não desgruda dos olhos”, como sugere o subtítulo do livro – era justamente o cerne da imaginação pictórica de Bacon, em toda sua complexidade e ambiguidade tragicômica. “Provocava – adorava provocar – e seduzia, não sem humor”, registrou o crítico francês. É na descrição de um dos seus maiores expoentes modernos que se encontra a plena definição da estética do grotesco.
Da Antiguidade até hoje, o grotesco sempre esteve presente na cultura, mas mantido numa espécie de subclasse da arte por estar em desarmonia com a chamada “metafísica do belo”, construída até a Idade média e difundida como estética artística a partir do Renascimento. O “belo artístico” ficou associado a proporção, harmonia, simetria, forma, perfeição, ao bem e ao verdadeiro. Por outro lado, o grotesco, como estilo artístico, só foi descoberto no final do século 15, a partir de escavações em porões e grutas romanas (
grotta, em italiano), nas quais foram encontradas pinturas que misturavam formas humanas às vegetais e animais. Ele combinava elementos heterogêneos e se desviava da “norma” artística predominante à época, o que estabeleceu, desde então, a marginalidade do estilo em relação ao clássico. Independentemente da arte, o grotesco passou a ser associado ao cômico, ao burlesco, ao violento, ao mau gosto. Ou, ainda, a representações do fabuloso, do macabro, da aberração, além das temáticas inerentes ao corpo, como a nudez, o sangue, o sexo e suas funções intrínsecas.
“Todo mundo ama o belo, a ponto de estudos acadêmicos sobre o feio serem raros”, disse o escritor italiano Umberto Eco, em
A história da feiura. “Mal e Feio não existem no plano divino”, justificou, citando Santo Agostinho. O mal e o feio também não faziam parte do belo artístico. Foi só no século 19 que o grotesco passou a ser visto e estudado como categoria estética. E é o francês Victor Hugo que inicia a defesa do grotesco como linguagem. Em
Do grotesco e do sublime, o escritor contrapõe a estética clássica, defendendo o emprego do grotesco para elevar as artes por meio da harmonização dos opostos que se completam, como o feio e o belo, o mal e o bem, o grotesco e o sublime etc. “O sublime sobre o sublime dificilmente produz um contraste”, argumentou.
Os pesquisadores Wolfgang Kayser (
O grotesco) e Mikhail Bakhtin (
A cultura popular na Idade Média e no Renascimento) ampliaram as margens para a discussão estética do grotesco no século 20. Bakhtin destacou em seus estudos a importância do “corpo” grotesco, como significação lúdica, carnavalesca. Já Kayser pontuou o grotesco como estrutura da manifestação estética para o processo criativo, obra e recepção, e seu desenrolar ao longo do tempo. “O obscuro foi encarado, o sinistro descoberto e o inconcebível levado a falar”, disse.
As manifestações do grotesco nas produções das mais diversas áreas encontraram guarida em artistas como Diego Velázquez, Miguel de Cervantes, E.T.A Hoffmann, Edgar Allan Poe e William Shakespeare, um dos autores preferidos de Francis Bacon. Na arte plástica, esse contorno é dado, além de Bacon, por Botero, Lucian Freud, Nancy Burson, Cindy Sherman, Kiki Smith, entre outros. De acordo com a pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Raquel Paiva, coautora de
O império do grotesco, junto com Muniz Sodré, cada período da história da civilização é marcado por uma forma de expressão estética.[4] “Para a nossa época, além do realismo exacerbado, é o grotesco que marca a cultura contemporânea. Vivemos a época da exacerbação dos sentidos e, pela própria natureza, o grotesco entra como elemento predominante para essa produção que precisa chamar a atenção. O grotesco e o realismo convivem de maneira harmônica dentro da produção cultural e são a expressão de nossa época”, explica. Os elementos de nossa cultura estimulam o surgimento da estética do grotesco. “Vivemos um momento em que as pressões ideológicas tendem ao ocaso e os questionamentos sobre modelos, valores e conceitos se acentuam”, explica Antônio Vargas, pesquisador do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina. Também artista, ele cita, como exemplo, os irmãos Chapman, que propõem discussão sobre a hipersexualidade infantil com corpos infantis, criando seres sexualmente polimórficos, unidos por órgãos genitais, prontos para serem penetrados. Essas estranhas combinações físicas esculturais, diz o pesquisador, não são tão diferentes das antigas formas grotescas. “A produção contemporânea não se apresenta como resposta, feita no modernismo quase como uma proposição ao artista, e sim como uma pergunta.” Em outras palavras, conta Vargas, a arte pós-moderna se serve do grotesco para tirar as pessoas do estado catatônico social. “É importante diferenciar a estética daquilo que pode ser apenas um efeito cenográfico para chamar a atenção, porque, às vezes, o que emerge não tem essa dimensão crítica”, ressalta.
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Irmãos Chapman: hipersexualidade infantil |
Vargas se utiliza da arte digital, preponderantemente de imagens das gravuras japonesas Ukiyo-e integradas a imagens de violência e sexualidade obtidas na web, para apoiar a construção da estética e linguagem do grotesco em suas obras. As colagens, num olhar desatento, parecem belas. É preciso observar novamente para perceber cenas de violência, sexo, guerra etc. “Em uma imagem grotesca, a beleza disfarça o improvável, o sórdido”, explica. A estética do grotesco no pós-moderno se aproxima da defesa feita por Victor Hugo em
Do grotesco e do sublime. Para o escritor, a arte moderna era justamente essa reunião harmoniosa entre o sublime e o grotesco. “É o feio junto ao belo. A partir daí, você traz um novo significado para ambos. Essa é uma das características da pós-modernidade, essa tentativa sistemática de mesclar, fundir, unificar e, com isso, gerar algo novo. As fronteiras que ainda não foram corrompidas serão certamente corrompidas por alguém.”
1. "Time and again, we are confronted with images which defy our aesthetic conventions, and are therefore relegated to the shadowy realm of the grotesque. We never succeed in defining the grotesque with any degree of certainty, but merely categorize those works which stimulate certain emotional reactions as grotesque, absurd, abnormal, etcetera. Indeed, the nature of the concept is such that any attempt to establish its contours with the rational faculties is doomed to failure" (Aaron Ross, The Art of Salvador Dali: from the Grotesque to the Sublime, em lihna, http://www.dr-yo.com/grot.html, consult. 18.2.2008).
2.
3. Luciana Beatriz Chagas,
, PDF.
4. Muniz Sodré e Raquel Paiva,
Borges, Bento Itamar.
, Istituto de Psicologia UFRGS, 2002.
, Artes visuais, 2006.
Hocke, Gustav R.
. São Paulo: Perspectiva, 1974.
Kayser, Wolfgang.
[1958], São Paulo: Perspectiva, 2009.
Nuto, João Vianney Cavalcanti.
, Universidade de Brasília.
Outerelo, Amador.
, 520.