15.5.13

O fator grotesco


Em busca do fator grotesco
por Mariano Akerman

O fator grotesco foi o título de uma exposição de arte que foi apresentada no Palacio Buena Vista de Málaga, hoje o Museu Pablo Picasso, entre outubro de 2012 e fevereiro de 2013.

Juan Sánchez Cotán, A barburda de Penharanda, 1590

O título da exposição não fez referência a uma coleção de arte grotesca de modo óbvio, mas convidou o espectador a considerar o fator grotesco que pode ser detectado no conjunto de obras selecionadas.

Se o organizadores tivessem chamado a exposição ARTE GROTESCA, sem dúvida teria sido necessário abordar uma definição do grotesco.

Mas os organizadores da exposição simplesmente se contentaram em reunir obras em que o fator ou ingrediente grotesco era de uma forma ou outra detectável.

Para isso eles usaram a presença de certas características importantes do grotesco nas artes visuais.

Como a seleção das obras foi aparentemente feita com base em algumas e não todas as características do grotesco, a mostra acabou incluindo também obras que não eram grotescas no sentido estrito do termo mas apenas pertenciam à categorias estéticas relacionadas com o grotesco.

Curro González, Mapeamento grotesco, 2012

A deformação, por exemplo, é um fator comum as caricaturas e muitas obras de arte grotesca. No entanto, a caricatura e o grotesco não são exatamente a mesma coisa. Eles mesmos não funcionam da mesma maneira e não empregam as mesmas estratégias. Eles também não têm o mesmo objetivo e não buscam produzir reações idênticas no espectador.

Fazendo uso do exagero o caricaturista pode brincar com alguém, critica-lo e até mesmo ridicularizá-lo. Uma caricatura pode ser engraçada e às vezes até azeda no seu humor. Mas o artista do grotesco geralmente tem uma predileção especial por o humor negro.

A diferença entre a caricatura e o grotesco poderia estar na intensidade e implicações do caso, resultando a caricatura leve quando é comparada com a gravidade do grotesco.

A caricatura seria assim como jogar uma torta de creme no rosto de alguém ou espremer um aperto de limão nos seus olhos. O grotesco seria como entrar num quarto escuro sem saber o que nos espera lá.

Assim, a caricatura tende a produzir um sorriso libertando o espectador, enquanto que o grotesco apenas lhe permitirá expressar um sorriso nervoso. O grotesco, diz Kayser, não significa ter medo da morte, mas ter medo da vida (Lebensangst). Como resultado, o grotesco é um real desentupidor da insegurança (Klauber). E isso não é em vão, pois o caricaturista sabe que o espectador vai reconhecer o indivíduo representado na sua caricatura, ou seja, quando percebe a caricatura o espectador vai estar num território que lhe é familiar. Mas tal coisa nunca vai acontecer quando o espectador percebe um trabalho grotesco, porque a defamiliarisação e o estranho são muito importantes na arte grotesca onde desorientar o espectador é essencial. O grotesco é conseqüentemente o familiar que tornou-se preocupante.

E enquanto tudo o explicado é verdade, existem também casos limite, exceções à regra e até mesmo casos de natureza controversa.

Existindo hoje uma literatura muito respeitável e verdadeiramente abundante acerca do grotesco é difícil justificar a razão da imprecisão no título da mostra em Málaga. No entanto, é possível que, tendo chamado O fator grotesco não seja sintomático de um desconhecimento do tópico o de uma preguiça acadêmica, mas seja um convite para detectar, reconhecer e até mesmo questionar o fator grotesco nos trabalhos da exposição. Assim, o título escolhido seria apropriado para uma amostra em que os organizadores não imporem nada ao espectador, mas proporcionar-lo um jogo de detetives onde ele tem que determinar com precisão o que é que faz um trabalho particular grotesco o não.

Durante mais de cinco anos é transmitido na Espanha um programa popular e perturbador intitulado The Fear Factor (O fator de medo, EUA). Relacionar o título da exposição em Málaga de uma forma mais ou menos implícita com esse programa ultra-provocativo da TV americana pode muito bem ter sido uma estratégia eficaz para divulgar e promover a mostra do ponto de vista do marketing.

Além que o título escolhido seja ou não uma boa estratégia para promover a exibição, a verdade é que a exposição apresenta a virtude de SUGERIR inúmeras idéias e possibilidades. E isso é em si uma coisa boa, porque não existe um único fator grotesco a ser detectado na arte, mas é possível descobrir nele toda uma variedade de fatores grotescos.

Grotesco é em si um termo de natureza complexa, que tem muitos significados e apresenta também múltiplas metamorfoses, assim como também uma grande versatilidade através do tempo.


O grotesco nas artes visuais
Imagens da coleção pessoal de reproduções de obras de arte grotesca do autor

O pato-coelho, Fliegende Blätter, 1892

O coelho-tigre

Ruskin, "O grotesco nobre e ignóbil", As pedras de Veneza, século XIX

Chris Pye, Homem vegetal, 2005

Quentin Matsys, A mulher velha e grotesca, 1525
National Gallery, Londres

"E o silêncio é feito", 2005

Thomas Mangold, Fazer um elefante de um mosquito, 2010

James Ensor, Dois esqueletos brigando por um arenque, 1891
Musées Royaux des Beaux-Arts de Belgique, Brussels

O que você tem na sua cabeça, c. 1960

Treu, Entusiasmo, 2007

Fontarrosa, "A possibilidade que temos que excluir em seu caso é na esterilidade", 1982

Anônimo, Equilíbrio instável, c. 2006-7

Gárgula medieval francêsa, século XIV

8 comments:

NCL said...

Bravo por el artículo y por el manejo del idioma.

Pancho Ottino said...

No sabía que tenías tan buen portugués. Me sorprende dado que hasta donde yo sé nunca viviste en un lugar de habla portuguesa.

akermariano said...

Es cierto, la única cosa portuguesa que yo conocía en la Aldea Grande (flor-IDA) era esa salsa que va com el pollo hecho a la usanza propia de esa comunidad homónima.

Gab Stegmann said...

Desde la Aldea Grande y bien flor-IDA, estoy leyendo un artículo tuyo escrito en português. Me hacé practicar de paso. Como siempre eso me aporta algo nuevo. Me gusta la comparacion que hacés entre la caricatura y lo grotesco. Bien gráfica, clarísima. También me gusta la definición de Kayser sobre la expresión grotesca como "miedo a la vida (Lebensangst)". Wow! Da mucho para pensar. Voy a tener que 'mirar' lo grotesco con otros ojos y com otro espíritu también. Bravo por tu português. Y gracias por compartir, un beso, gab ~

akermariano said...

Gab, tu comentario es una oda a la alegría.

Gab Stegmann said...

La verdad es que el artículo es muy bueno. Le ponés mucha garra, Mariano. Digna de admirar. Te mando un beso grande y vamos todavia, gab ~

Rafael Foley said...

Muy interesante, Mariano. Sobre todo la cita sobre lo grotesco como miedo a la vida. Para mí, lo grotesco, en un contexto adecuado, puede ser bello. Complementando la belleza. Las gárgolas "grotescas" de las catedrales complementan su belleza. "Grotesco" viene de gruta, pues en una gruta fueron descubiertas [las figuras híbridas y otros motivos] de las pinturas romanas que dan nombre, originalmente, al género. Esas pinturas eran eminentemente decorativas, subrayando de nuevo el carácter oposicional -pero complementario- de lo grotesco para resaltar la belleza. Un abrazo, Rafael

akermariano said...

Gracias Rafael. Comparto tu idea de que lo grotesco es un elemento que (siendo anti-clásico por no transgredir, entre otras cosas, la idea de mímesis) tiende a oponerse pero a su también a complementar la belleza. Esto indudablemente es válido para los motivos grutescos empleados en la decoración renacentista e incluso manierista hacia el fin del siglo XV y a lo largo de todo el siglo XVI. Sin embargo, hacia el siglo XVII el género grotesco ha de abarcar no solo los monigotes del teatro (Commedia dell'arte) sino también seres atípicos tales como enanos, jorobados, amputados, y otros tantos siameses deformes. A ellos se los percibirá por ese entonces como grotescos, de modo que el miedo de los observadores resulta ir acompañado de la risa, por lo general cruel. Con todo, para que haya género grotesco y empleando ahora los criterios contempóraneos, la coexistencia de incompatibilidades debe darse tanto en la naturaleza de la obra de arte grotesca como en la reacción del espectador. Los seres atípicos, claro está, no son obras de arte, sino casos particulares o extraordinarios que responden a algunas irregularidades en la naturaleza. Pero lo grotesco es un fenómeno artístico. Es artísticamente antinatural. En efecto, en la naturaleza no existen los grotescos y sólo llegan a darse casos atípicos. La evolución de la ciencia permitió comprobar esta hípótesis en términos empíricos. (Con las manipulaciones genéticas de estos días posiblemente esto último se torne cuestionable). En arte, propios de lo grotesco son no solo la ridiculez y el exceso sino también la artificialidad. Además de ello, en los siglos XIX y XX, lo grotesco termina por ser caracterizado como lo ambivalentemente anormal y también aquello que sugiere lo monstruoso. Un abrazo, Mariano

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...